quinta-feira

carta nº10

ainda bem que te arrependeste - disse, sorrindo, enquanto me embalava no corrimão - mas deixa-me voltar para Lisboa sem ti no peito. deixa-me, sabes fazê-lo tão bem



quarta-feira

acompanham-me

terça-feira

carta nº9

gosto de pensar que havia alguma verdade na maneira como me sorrias em silêncio nos dias quentes de verão. hoje sou alguém diferente, as minhas piores partes unidas pelo desejo de voltar. sentei-me no cais com vontade de voltar a percorrer a estrada atlântica, sentir o vento e o sol numa valsa maravilhosa sobre a minha pele, observar os velhos moinhos vigilantes ficarem para trás enquanto conduzias relaxadamente. procuro-me nessas memórias e já não sei quem era. deixei-me lá

segunda-feira

carta nº8

já não te escrevo há algum tempo. 
passei-o como pude
já sou tão daqui, destes sítios seguros e escuros onde me faço passar por quem quero, onde abraço como quem gosta
queria entender este desgosto que deixa miserável quem encarna a perfeição por outra pessoa. não há recompensa em amar como fiz. espero que um dia passes por isto, espero que não consigas dormir

terça-feira

carta nº7


acho espantosa a finitude do que fomos. fizemos teatros tão credíveis, viagens tão felizes, trocámos tantos fardos tão pesados, que hoje custa a crer que chegámos a acontecer com tanta intensidade. espero que não consigas dormir quando souberes no que me tornei, para eu começar a conseguir adormecer no teu lugar.

quarta-feira

carta nº6

hoje vi-te. reconheci a tua postura curvada, apoiado com um pé no muro. estás diferente, pálido, mais do que me lembrava. tens os gestos presos pela culpa. não me surpreendi. quis-te assim, inabitado por dentro para poder ser eu a entrar. quando finalmente mexeste os lábios foi para repetir o que certamente repetes para ti todas as noites:
- não me arrependo.
estremeci. quis afastar-me mas não me podia dar ao luxo de parar de te observar. havia ternura na maneira como respiravas o ar gélido da manhã. havia, e eu queria à força encontrar-te a ti, meu amor, talvez perdido nesses olhos pretos que em tempos foram mais claros que a madrugada que agora demora a vir.
forço-me a acreditar que estás derrotado quando certamente não o estás. talvez a fraqueza esteja em mim por fazer da tua ausência um assunto

quinta-feira

carta nº5



desci para o metro e nem dei pelo tempo passar, de tal maneira te tinha comigo, presente como se estivesses sentado ao meu lado, a ver em silêncio os túneis ficar para trás. enquanto refletia, concluí que os anos me melhoraram. sou uma pessoa definitivamente melhor, com mais valor. o meu sangue corre mais depressa e o rancor eleva-me a alma, afasta-me dos sentimentalismos próprios da idade. e estou a desfrutá-lo. levo-o no bolso do casaco para a escola, trago-o para casa debaixo do chapéu-de-chuva, sento-o ao meu lado neste lanço de escadas à entrada do prédio.
vê aquilo que criaste, querido amigo -  condenaste-me a noites em branco, às claras tão no escuro, sei lá.
não perdoo,
mas as noites são a pior parte

segunda-feira

carta nº4


ciente da escuridão pavorosa que governava, subiu as tais ruelas virtuosas, de paredes que amou de imediato. talvez por necessidade de uma morada adotiva mas perpétua, talvez porque delas emana calor quase humano. ainda assim sentia o frio cortante da noite a magoar-lhe os braços nus e pálidos, de veias turquesa que se insinuavam. percorreu travessas e escadarias confiante de que estava em casa, dentro de uma esfera de proteção imperturbável. no topo da escadaria mais longa parou, para assimilar a imagem presente na sua plenitude. dali via a imensidade de lisboa, um campo violeta de luzes que, à primeira vista, dançavam; aquilo que lhe chegaria para nunca mais ter de partir-para-longe-para-sempre.
havia apenas uma coisa em falta. o elemento primário da sua existência. faltava-lhe o infinito; o azul profundo; o mar que desfoca os limites do mundo.

piores vidas e miseráveis foram as das vozes que me embalam. atormentam-me as trivialidades que me couberam no destino, sou isto só, sofro com males da alma e resolvo-os no corpo. deixo que as injustiças me teçam hematomas na pele sem que se justifique.
acalma-me apenas saber que a miséria de uns é escape de outros. possa eu retribuir um dia com o que aprender.
ainda assim tenho pânico dos sonhos. quando me deito não tenho como fugir aos demónios que me cedeste. à solidão cerrada da noite que me engole e me arrasta por umas horas para longe da realidade. já não sei adormecer. passo o dia a temer a hora de deitar.
mas ensina-me. adormece-me. e nunca voltes

sábado

carta nº3


"É numa água-furtada
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes de água
Quatro paredes de pranto
Quatro muros de ansiedade
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade
Fechada em seu desencanto
Alfama cheira a saudade"




vou ter espaço e anos para ser luz viva de quem me quiser.
 com a saudade que é de nós, sei que fiz tão pouco ainda

segunda-feira

carta nº2

quando tento dormir sinto-te tão perto que só ocupo um lado da cama para te dar espaço. já nem durmo. pode dar-se o acaso de quereres conversar.
vou simplesmente estar, se quiseres estar também. quero que mudes de ideias, que não arruines a minha utopia que no fim de contas és só tu, áspero de tão real que eras.
tivemos o nosso tempo
fecho a caixa. devia dormir

domingo

carta nº1

cada sítio que visito, cada palavra que digo são na perfeita consciência de que não o quero fazer. tenho uma constante vontade de estar parada num sítio letargicamente e de em nada contribuir para o movimento frenético da cidade - mas amo Lisboa. é a casa que nunca tive, um berço de cinzentos que se fundem comigo quando me deito sem sono.