segunda-feira

carta nº4


ciente da escuridão pavorosa que governava, subiu as tais ruelas virtuosas, de paredes que amou de imediato. talvez por necessidade de uma morada adotiva mas perpétua, talvez porque delas emana calor quase humano. ainda assim sentia o frio cortante da noite a magoar-lhe os braços nus e pálidos, de veias turquesa que se insinuavam. percorreu travessas e escadarias confiante de que estava em casa, dentro de uma esfera de proteção imperturbável. no topo da escadaria mais longa parou, para assimilar a imagem presente na sua plenitude. dali via a imensidade de lisboa, um campo violeta de luzes que, à primeira vista, dançavam; aquilo que lhe chegaria para nunca mais ter de partir-para-longe-para-sempre.
havia apenas uma coisa em falta. o elemento primário da sua existência. faltava-lhe o infinito; o azul profundo; o mar que desfoca os limites do mundo.

piores vidas e miseráveis foram as das vozes que me embalam. atormentam-me as trivialidades que me couberam no destino, sou isto só, sofro com males da alma e resolvo-os no corpo. deixo que as injustiças me teçam hematomas na pele sem que se justifique.
acalma-me apenas saber que a miséria de uns é escape de outros. possa eu retribuir um dia com o que aprender.
ainda assim tenho pânico dos sonhos. quando me deito não tenho como fugir aos demónios que me cedeste. à solidão cerrada da noite que me engole e me arrasta por umas horas para longe da realidade. já não sei adormecer. passo o dia a temer a hora de deitar.
mas ensina-me. adormece-me. e nunca voltes

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